quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Sarita sentada na lua


Como eu e tu nasceu nua de preconceito
com olhos para ver e aprender com o Mundo, perfeita imperfeição.
Olhando o seu despenteado pai ri-se porque não sabe o que é um pente. Não conhece o efeito opressor de tal objecto, nesta coisa de estarmos todos cada vez mais bonitos por fora mas tão despenteados por dentro.
O maior desejo deste despenteado e muito babado pai é que quando chegar a altura da Sara conseguir ler e  entender estas linhas já alguém tenha inventado um tão necessário pente para a alma.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A travessia da Sara (ou 1+1=3,14)

Se usássemos mais a cabeça e menos os pés para pensar poderíamos tentar (não mais do que isso, para começarmos com calma) relacionar o facto de termos mantido as mulheres na gaveta durante tantos séculos com a situação em que o Mundo se encontra hoje. Sem valores (morais, obviamente, já que o que não falta por aí é valor acumulado), sem respeito (pelas pessoas, pelo planeta, etc. e tal), sem amor (o que poderia até parecer lamechas se não fosse apenas essencial para a nossa existência).
Desrespeitar e menosprezar a Mulher é o derradeiro tiro no pé por parte desta incongruente Humanidade.
E não é fácil de encaixar este conjunto de novos valores que vai emergindo (o correcto passa fome, o honesto fica para trás, o solidário é otário, o pobre é lixo). Muito menos para alguém de uma geração que viu com os seus próprios olhos os muros a cairem, as mulheres a conquistarem a pulso o seu merecido lugar na sociedade, apesar do enorme trabalho que ainda há pela frente a ser feito nesta matéria.
Uma geração que pôde testemunhar que a cor da pele é apenas e nada mais do que uma variação de tom, que o lugar onde se nasce não faz o Homem.
Como tal, nunca me tinha ocorrido que um dia poderia ter de ensinar a um filho (ou filha no meu caso) precisamente o contrário do que aprendi, porque corro o risco de lhe passar valores de Humanidade e justiça que a poderão prejudicar no futuro. Para dizer a verdade, nunca me tinha ocorrido ser pai nesta vida e talvez por isso só agora esteja a acordar para esta estranha realidade.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Escuta só!

Um dia apelidada de "a melhor banda de rock de sempre", apesar da sua curta vida, Mano Negra é a celebração constante e efusiva do que é estar vivo e dar tudo o que se tem em todas as ocasiões. Um álbum com um lado eléctrico e electrizante  e outro acústico e apaziguador. Perfeito para um domingo de sol.

Cala-te boca. Ou os piropómanos e o papel da mulher na sua própria emancipação.

Repescando um assunto que andou literalmente nas bocas do mundo há umas semanas atrás deu-me para analisar esta coisa dos piropos, podia ter-me dado para pior, ou não,  mas isso agora não interessa nada. Ora, o aparentemente inofensivo piropo é, em certos casos, uma invasão de privacidade, um entrar sem ser convidado, uma invasão do espaço de outro. No caso do piropo homem-mulher o que pode acontecer é causar uma desnecessária sensação de insegurança e stress no receptor, um desconforto que não existiria se aprendessemos a calar a boca, o que, se pensarmos bem, até nem é muito complicado, basta mantê-la fechada para que não replique em palavras aquilo que nos vai no cérebro (que é muito mais complicado para fechar). Outros piropos há que são apenas e só frases que nunca deveriam ser ditas, em nenhuma situação, por serem ridículas, ou perfeitos atentados à língua portuguesa (como por exemplo o clássico "chupava-te os seios até aos ossos" que eu não podia deixar de mencionar, como é óbvio). Também há os que são inofensivos, geralmente precedidos por um qualquer subtíl sinal do/da receptor(a).
Acontece que já estive dos dois lados desta piropomania algumas vezes e, como macho que sou, não me importei nada que me dessem umas buzinadelas, ou me mandassem alguma boca mais espirituosa. Mas do outro lado a coisa torna-se bastante mais desconfortável, principalmente porque há uma pressão constante da restante matilha (por exemplo para quem trabalha no exterior, telecomunicações,  construção, etc.), que nos fixa atentamente para verificar se estamos a prestar atenção à moça que passa, mesmo que ela não nos desperte o mínimo de interesse. E Deus nos livre se não nos babarmos um bocadinho que seja quando elas passam, porque isso então dá direito a julgamento imediato no tribunal do fundamentalismo machóide.
Apesar de tudo isso a minha sincera opinião é que o piropo é, no geral, inofensivo. Pensando bem quantas relações nem sequer chegariam a sê-lo se não fosse o tal piropo envergonhado atirado na altura certa (por eles ou por elas)? Por isso, e neste caso do piropo, não lhe consigo atribuir a importância que lhe deram nas últimas semanas, nem vejo nele um  potencial limitador das liberdades femininas, ou pelo menos não tanto como outros fenómenos que proliferam actualmente, como a ditadura do Photoshop e os modelos de beleza impostos pelas próprias mulheres umas às outras. Ou o facto de escolherem voluntariamente ser "acessórios" para homens de negócios ou jogadores da bola exibirem como troféus em festas e jantares.
Aos piropómanos basta calá-los, respondendo ao piropo no mesmo tom (podia dar aqui vários exemplos mas deixo um que se passou com a minha mãe e, para além de didáctico, tem um toque de terapêutico: Numa despedida de solteira, um grupo de senhoras passa por dois policias na rua e um diz para o outro: eh lá tanto gado! Vai ela e diz: pois, mas não estou a ver aqui a sua mãe.), portanto, coisa simples e com certeza bastante mais acessível do que acabar com a objectificação da mulher, que é um dos maiores entraves no seu caminho para a igualdade.